O guardião do Cerrado: Conheça o lobo-guará da nota de R$200

Em 2020, uma nova cédula começou a circular no Brasil, despertando curiosidade e admiração: a nota de R$200. E estampada nela, com sua elegância peculiar e ar misterioso, estava o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus). Esse canídeo sul-americano, muitas vezes confundido com uma raposa gigante ou um lobo de pernas longas, é muito mais do que apenas o rosto de uma nota. Ele é um guardião essencial do Cerrado, um dos biomas mais ricos e ameaçados do planeta.

O lobo-guará é, sem dúvida, um animal de aparência marcante. Sua pelagem avermelhada-dourada, que lembra um manto cor de fogo, contrasta com as pernas longas e finas de coloração escura, quase como se usasse meias pretas. Uma crina preta e ereta corre ao longo de seu pescoço e ombros, arrepiando-se quando o animal se sente ameaçado, tornando-o ainda mais imponente. Pesando entre 20 e 30 kg e medindo até 1 metro de altura no ombro, ele é o maior canídeo da América do Sul. Seus olhos amendoados e orelhas grandes e eretas completam um visual que reflete sua natureza adaptada aos campos abertos e arbustos do Cerrado.

Apesar do nome “lobo”, o lobo-guará não é um lobo no sentido tradicional, nem uma raposa. Ele é o único membro de seu gênero, Chrysocyon, o que o torna uma espécie única e evolutivamente distinta. Sua dieta reflete essa singularidade. Ao contrário de lobos que caçam em matilhas e se alimentam principalmente de carne, o lobo-guará é um onívoro solitário. Sua alimentação é surpreendentemente variada, composta por pequenos mamíferos (como roedores e tatus), aves, répteis, insetos, ovos e, crucialmente, uma grande quantidade de frutos.

Entre os frutos, um se destaca: a lobeira (Solanum lycocarpum), também conhecida como “fruto-do-lobo”. Essa fruta, que se assemelha a um pequeno tomate, é uma parte tão essencial da dieta do lobo-guará que deu origem ao seu nome popular. A ingestão da lobeira não só fornece nutrientes importantes, mas também auxilia o lobo-guará a combater um parasita renal comum em sua espécie. Além disso, ao consumir os frutos e dispersar suas sementes através de suas fezes, o lobo-guará desempenha um papel vital na regeneração do Cerrado, atuando como um “jardineiro” do bioma.

O Cerrado, lar do lobo-guará, é o segundo maior bioma da América do Sul, abrangendo uma vasta área do Brasil central. É uma savana com uma biodiversidade impressionante, abrigando milhares de espécies de plantas e animais, muitas das quais são endêmicas – ou seja, não existem em nenhum outro lugar do mundo. No entanto, o Cerrado está sob intensa pressão devido à expansão agrícola, especialmente o cultivo de soja e a criação de gado, além da mineração e urbanização. Grandes áreas de sua vegetação nativa foram desmatadas, colocando em risco não apenas o lobo-guará, mas todo o ecossistema.

Apesar de seu status de espécie ameaçada (classificada como “quase ameaçada” pela IUCN, mas com populações em declínio em várias regiões), o lobo-guará é um animal noturno e bastante esquivo. Sua presença é muitas vezes detectada apenas por suas pegadas ou pelos rastros de sua alimentação. Ele não é agressivo com humanos e geralmente foge ao menor sinal de perturbação. Infelizmente, a perda de habitat o tem forçado a se aproximar de áreas urbanas e rurais, onde pode ser atropelado em estradas ou caçado por fazendeiros que o veem como uma ameaça ao gado (o que é raro, dado sua dieta).

A escolha do lobo-guará para estampar a nota de R$200 foi uma forma de chamar a atenção para a conservação da biodiversidade brasileira. O Banco Central, ao tomar essa decisão, destacou a importância de sensibilizar a população sobre a fauna nativa e os desafios que as espécies enfrentam. A cédula se tornou um lembrete diário da beleza e da vulnerabilidade desse magnífico animal, incentivando a discussão e, espera-se, a ação em prol de sua proteção e do Cerrado.

Programas de conservação, pesquisa e educação ambiental são cruciais para o futuro do lobo-guará. Esforços para criar corredores ecológicos que conectem fragmentos de habitat, projetos que incentivam práticas agrícolas sustentáveis e campanhas de conscientização que desmistificam a imagem do lobo-guará como predador são vitais. Ao reconhecer o lobo-guará não apenas como um animal em uma cédula, mas como um elemento fundamental de nosso patrimônio natural, podemos garantir que as futuras gerações também conheçam o verdadeiro senhor dos Cerrados, com suas pernas longas e seu papel insubstituível na natureza brasileira.

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