Virada histórica: Coreia do Sul proíbe carne de cachorro

Por séculos, o consumo de carne de cachorro foi uma parte intrínseca da cultura alimentar sul-coreana para alguns, um costume que, para muitos ocidentais, é incompreensível e, para outros, uma tradição que resiste. No entanto, a Coreia do Sul está em meio a uma transformação cultural e legislativa significativa, culminando na aprovação de uma lei histórica que sinaliza o fim dessa prática.

Uma tradição antiga e seus contextos

Para entender a mudança, é crucial olhar para o passado. O consumo de carne de cachorro, conhecido como boshintang (sopa de carne de cachorro), era tradicionalmente associado a benefícios para a saúde, especialmente durante os meses quentes de verão, onde se acreditava que ajudava a repor a energia e o vigor. A prática tinha raízes em períodos de escassez e fazia parte de um repertório culinário que incluía outras carnes. Não era um hábito universal, mas existia em nichos da sociedade, especialmente entre as gerações mais velhas e em certas regiões.

Contrariamente à percepção comum, os cães consumidos não eram animais de estimação. Eram criados em fazendas específicas para esse fim, da mesma forma que gado ou porcos são criados para consumo em outras culturas. Para muitos que cresceram com essa prática, ela era simplesmente uma fonte de proteína, desprovida da conotação emocional que os ocidentais atribuem aos cães como companheiros.

A pressão crescente: Interna e externa

Nas últimas décadas, a Coreia do Sul experimentou uma rápida modernização e ocidentalização. Com isso, o status do cão na sociedade começou a mudar drasticamente. A posse de cães como animais de estimação explodiu, e a visão do cão como companheiro ganhou força, especialmente entre as gerações mais jovens. Essa mudança interna gerou um crescente movimento de ativistas pelos direitos dos animais e uma forte oposição ao consumo de carne de cachorro dentro do próprio país.

Simultaneamente, a Coreia do Sul enfrentava uma pressão internacional considerável. À medida que o país se tornava um ator global proeminente, com sua cultura pop (K-Pop, K-dramas) e tecnologia ganhando o mundo, a persistência do consumo de carne de cachorro se tornou um ponto de atrito. Críticas de organizações de direitos dos animais e governos estrangeiros eram frequentes, impactando a imagem internacional do país. Eventos de grande escala, como as Olimpíadas de Seul em 1988 e os Jogos Olímpicos de Inverno de PyeongChang em 2018, intensificaram os apelos para o fim da prática.

A legislação histórica: Um ponto de virada

Após anos de debate e tentativas frustradas de legislar sobre o tema, um marco foi alcançado em janeiro de 2024. A Assembleia Nacional da Coreia do Sul aprovou uma lei que efetivamente banirá a criação, abate, distribuição e venda de carne de cachorro no país. A lei estipula um período de transição de três anos, com a proibição total entrando em vigor em 2027. Os infratores poderão enfrentar penas de prisão ou multas pesadas.

Essa legislação não é apenas um ato jurídico; é um reflexo de uma mudança profunda na consciência social. O governo, liderado pelo presidente Yoon Suk-yeol e pela primeira-dama Kim Keon-hee – ambos conhecidos por serem amantes de animais de estimação –, abraçou a causa, pavimentando o caminho para essa proibição histórica.

Desafios e o futuro

Apesar do entusiasmo dos defensores dos direitos dos animais, a transição não será isenta de desafios. A lei prevê apoio financeiro para os produtores e donos de restaurantes que dependem da indústria da carne de cachorro para se adaptarem a novas profissões ou fecharem seus negócios. No entanto, muitos desses indivíduos expressam preocupação com o impacto em suas vidas e meios de subsistência. A implementação bem-sucedida dependerá de um programa de compensação justo e eficaz.

A proibição da carne de cachorro representa mais do que apenas o fim de uma prática alimentar; é um símbolo da Coreia do Sul redefinindo sua identidade cultural no cenário global. É um sinal de que as tradições podem evoluir e que a empatia pelos animais está ganhando precedência. O futuro mostrará como a sociedade sul-coreana se adaptará a essa nova realidade, mas uma coisa é clara: a cultura em torno do consumo de carne de cachorro nunca mais será a mesma.

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